Tratamento diminuiu drasticamente número de convulsões; neuropediatra que cuida do caso tem visto famílias alcançarem conquistas até então impensáveis
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Joana foi muito esperada pelos pais. Depois de uma gravidez sem intercorrências, a menina nasceu de 41 semanas com 47 centímetros e 2,250 kg. Mas ainda no primeiro mês os pais se deparariam com uma realidade que acompanharia o dia a dia da família pelos anos seguintes: as convulsões. Com o tempo descobriram que qualquer estado febril vinha acompanhado de convulsões e que elas formavam o quadro de epilepsia da garota. Com dois anos, uma convulsão mais forte a deixou em coma, o que resultou também na paralisia cerebral. Mas, o diagnóstico mais completo e definitivo veio só aos 6 anos: epilepsia de difícil controle, transtorno do espectro-autista e paralisia cerebral.
E aí começava a saga da família. Como nenhum medicamento fazia o efeito esperado, Joana ficou com os olhos estrábicos e não acompanhava o desenvolvimento das crianças da mesma idade. Os eletroencefalogramas normais não conseguiam pegar a quantidade de crises convulsivas em um intervalo de 20 minutos e foi só por volta dos 11 meses que os profissionais que a família buscava chegaram ao número mais próximo das 40 convulsões que a menina enfrentava em um único dia.
“Nós já tínhamos procurado vários especialistas e não encontrávamos nenhuma solução. Foi quando ouvimos falar da neuropediatra Mariana Pereira e os resultados que crianças com casos de saúde semelhantes aos da Jojo estavam tendo com o uso do canabidiol”, relembra a mãe Silvia Barb. “Nos enchemos de esperança e marcamos uma consulta. A melhora veio rápida”, complementa.
Canabidiol e a esperança
A neuropediatra Mariana Pereira começou a trabalhar com o canabidiol em 2015, após a liberação da medicação pela Anvisa, com prescrição para crianças com epilepsia farmacorresistentes. Ela relata que os reflexos do uso do produto já apareceram em suas primeiras experiências, e atualmente, tem a certeza e segurança da resposta positiva da medicação para seus pacientes ao longo desses anos. “Crianças que antes tinham de 60 ou até 80 crises epilépticas diárias, diminuíram drasticamente esse número, algumas delas ficando com isenção de crises já nos primeiros quatro dias de medicação”, afirma a especialista. “No caso da Joana, a resposta geral foi muito rápida e positiva, com melhora drástica da disfagia (dificuldade de deglutição) logo no início do uso, permitindo a alimentação oral sem riscos, o que antes era difícil de se imaginar. Mas isso só foi possível, pois estávamos com o medicamento correto, na concentração e dose corretas, o que não é a realidade de muitos pacientes”, explica a médica que acompanha o caso da menina desde 2017.
Mariana relata que muitos pacientes que atende, com crises epilépticas farmacorresistentes, os pais já chegam com um preconceito em relação ao uso do canabidiol, porque já fizeram uso anterior de algum “pot-pourri” feito a partir da cannabis, sem saber o que de fato eles ingeriram. “O que vejo na minha prática clínica é que muitas ‘medicações’ disponíveis atualmente não têm a procedência ou o rigor farmacêutico necessário para o isolamento do canabidiol. Mesmo assim, o debate é muito mais focado nas polêmicas envolvendo a canabis do que na discussão em relação ao uso inadequado da molécula, que na literatura já tem a sua indicação estabelecida”, afirma a neuropediatra.
A especialista diz entender que o custo da medicação é um limitador ao uso, mas que não é possível falar em valor elevado da medicação sem o estudo e a atenção ao fato de que, com o controle das crises epilépticas, se reduz também todo o custo secundário dessa situação e o impacto em todos aqueles responsáveis direta ou indiretamente pela criança.
Para Jojo e sua família, a mudança no tratamento permitiu deixar ainda mais claro que a vontade de ser feliz sempre foi maior do que qualquer diagnóstico desanimador. Fã da cantora Anitta, de comer pastel na feira e de andar de skate, hoje o céu é o limite para essa menina e sua família que voltaram a sonhar após conhecer os benefícios do canabidiol. “Desde as primeiras consultas, a médica nos esclareceu sobre todos os aspectos da medicação e a necessidade do uso de um produto adequado. Nos primeiros anos a gente comprava com nosso dinheiro e com a ajuda de amigos, mas agora conseguimos que a prefeitura faça a aquisição do canabidiol para nós. Tenho certeza de uma coisa, se hoje temos a Jojo na estrada, conseguindo viajar e aproveitar tudo o que a vida oferece para ela e para a nossa família, apesar das suas limitações, tem relação direta com uso da medicação que praticamente zerou as crises convulsivas que ela tinha todos os dias”, conta a mãe.
Com o avanço dos estudos a respeito do uso do canabidiol, um alerta feito pela neuropediatra é referente não apenas à procedência e concentração do produto, mas também em relação à dose administrada para o controle de crises epilépticas. Em sua experiência, ela observou não apenas a melhora em pacientes epilépticos, mas também impacto significativo nas crises disruptivas em crianças com transtorno do espectro-autista associado ao quadro. O que muda nesses casos é que a dose para o controle das crises epilépticas é muito superior àquela em que se observa melhora comportamental, determinando na prática clínica mais um desafio para desmistificação do canabidiol. Isso acontece porque muitos pacientes não tiveram insucesso no uso anterior da medicação de procedência adequada, mas com a dose inadequada. “Sem concentração adequada, não é possível definir a resposta à medicação, e lamentavelmente, nesse tempo muitos desistem do tratamento”, desabafa a médica.
Mais acesso à população
A indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi foi a primeira a ter o produto aprovado para venda e comercialização no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com investimentos superiores a R$ 30 milhões, há pouco mais de oito anos a farmacêutica firmou parceria com a Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto para a realização de pesquisas, desenvolvimento e estudos clínicos.
“Uma das principais diferenças da pesquisa é que a matéria-prima utilizada é o insumo purificado do canabidiol. Isso é o mesmo que dizer que ele não tem metais pesados, pesticidas ou outros canabinóides, inclusive o THC que tem atividade psicoativa prejudicial no desenvolvimento neurológico. Para obtenção do canabidiol isolado são necessárias cerca de 200 etapas de extração e purificação”, explica o gerente de inovação clínica da Prati-Donaduzzi, Liberato Brum Junior. “Temos todos os cuidados com a Anvisa e órgãos de saúde para oferecermos sempre produtos de qualidade, porque sabemos a importância que eles têm em salvar vidas”, complementa Brum.