Projeto resgata a história de comunidade de Espírito Santo do Itá, onde ancestrais dos produtores aprenderam com os povos indígenas Tembés a cultivar a planta e fazer comidas típicas da saborosa culinária local
A cultura da mandioca vai ganhar um museu inédito no Brasil a ser instalado em uma comunidade quilombola localizada na região metropolitana de Belém. Como primeira semente desse projeto, será aberta ao público, na próxima terça-feira, dia 24, a Primeira Mostra do Museu da Mandioca, no município de Santa Izabel do Pará, localizado a 45 km da capital paraense. O evento vai até o dia 27, com a exposição de relatos históricos sobre o alimento, equipamentos artesanais e industriais usados na produção e descobertas científicas sobre a planta e seus empregos em diferentes segmentos.
É um projeto voltado ao resgate da história da comunidade quilombola de Espírito Santo do Itá, onde vivem 30 famílias de produtores que herdaram de seus ancestrais o aprendizado da cultura indígena responsável por um dos alimentos mais populares e saudáveis do país — a farinha de mandioca — , além de ingredientes da saborosa culinária paraense e produtos da indústria nacional e mundial.
A Mostra será instalada no Centro Cultural e Biblioteca Silvio Nascimento, instalado em um casarão inaugurado em 1905 sob a gestão da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Santa Izabel do Pará.
Conspiram a favor do Museu o fato de Pará contar com a maior produção de raiz de mandioca do Brasil, com safra estimada de 4 milhões de toneladas em 2022, e de Santa Isabel ser um dos principais produtores locais.
“O Museu da Mandioca é de grande importância para o nosso Estado e para o Brasil por valorizar uma raiz genuinamente brasileira e tão presente em nossas vidas, seja na gastronomia ou na indústria, uma vez que ela avança em pesquisas para sua utilização em vários segmentos”, destaca a professora Sigla Freita, que é pedagoga formada pela Universidade da Amazônia (Unama) e idealizadora do Museu.
A ideia da criação do Museu da Mandioca surgiu quando foi observada a substituição do tipiti (objeto de tecnologia indígena criado para prensar a massa da mandioca e assim extrair o tucupi) por uma prensa industrial.
Na Mostra, será exibido vasto material que remota dos primeiros indígenas que descobriram e dominaram a mandioca até as inúmeras utilidades da planta. Também será ressaltada a importância do cultivo da mandioca na formação da identidade e do espaço geográfico do município e do Pará.
Também será exibida a parte instrumental da atividade, a exemplo de equipamentos artesanais utilizados na transformação da mandioca em seus produtos. Também serão mostradas as descobertas científicas sobre a mandiocultura e sua vasta utilização na indústria mundial.
Participam também desse projeto o psicopedagogo Antônio Freitas, marido de Sigla, e a historiadora Minervina Souza, além dos próprios comunitários e produtores de mandioca, como a presidente da Associação Quilombola de Espírito Santo de Itá, Cristina Borges.
Gastronomia quilombola
De acordo com a pedagoga, a ideia é fazer exposições em outros espaços sobre a cultura em várias localidades até a construção e funcionamento do Museu da Mandioca na comunidade quilombola do Espírito Santo do Itá, que há dez anos realiza o evento gastronômico e turístico do Festival da Mandioca.
“Essa comunidade se tornou uma das maiores produtoras de derivados da mandioca dentro do município de Santa Izabel, seguindo uma tradição ancestral, e é palco do Festival da Mandioca, que acontece há 10 anos no primeiro domingo de maio e se tornou patrimônio cultural e imaterial do município”, relata a pedagoga.
O Festival da Mandioca se consolidou como um dos principais eventos do calendário anual do município, com a atração de turistas de municípios vizinhos e de outras regiões do Pará. Foi interrompido durante dois anos por causa da pandemia.
A inclusão da mandioca na história dos quilombolas é resultado da relação deles com os Tembés, povo indígena originário da região. Prova disso é que o tubérculo sempre foi um dos principais alimentos consumidos pelos índios, o que surpreendeu os portugueses da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral em 1.500.
“Os antepassados (dos quilombolas) chegaram aqui trazidos por franceses, desde o final do século XIX e fugiram com a vinda dos portugueses. Estes deixaram os escravos nas terras (atualmente da região do município de Santa Izabel). Os escravos se organizaram em quilombos e outros se espalharam pelas terras de Santa Izabel, formando várias comunidades. A do Espírito Santo do Itá é uma delas, seus antepassados aprenderam o cultivo da mandioca e a produção dos seus derivados com os índios Tembés”, afirmou.
No quilombo, os processos de fabricação da farinha e da goma são completamente artesanais. Eles usam técnicas antigas, mas, aos poucos, estão começando a se adaptar a novos tipos de instrumentação para a elaboração dos produtos.
Turismo internacional
Desde 2018, depois de um evento de instituto criado para homenagear um dos mais renomados chefs do Pará, Paulo Martins, a comunidade quilombola virou referência em termos de produção artesanal de comidas derivadas da mandioca.
“Daí em diante, nós passamos a receber chefes de cozinha de várias partes do Brasil, do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, mas também já recebemos vários do exterior”, assinala Sigla Freitas. Além de brasileiros, os europeus são grandes apreciadores do turismo gastronômico desenvolvido pela comunidade.
Em 2019, houve a visita de produtores de aguardente da Dinamarca. Na ocasião, eles compraram 6 toneladas de mandioca que foram transformadas em aguardente.Mais recentemente, em janeiro deste ano, espanhóis e portugueses visitaram a comunidade e ficaram impressionados com a mandioca e seus subprodutos.
Agora, com o Museu, além de servir sabores e saberes, a mandioca vai alimentar a história, o presente e o futuro. Afinal, em 2024, o Espírito Santo do Itá vai sediar a Festa do Produtor Rural de Santa Izabel. Amém!