Os noticiários destacam, com perplexidade genuína e um tanto de sensacionalismo comercial, os casos de violência na escola, quando jovens e, às vezes, adultos, invadem o espaço escolar e ferem e matam. É como se um campo sagrado e inviolável tivesse sido rompido por forças estranhas, bárbaras, atingindo crianças e jovens que, até então, viviam em completa convivência pacífica e segura.
Durante alguns dias, semanas no máximo, a sociedade e as autoridades discutem o que fazer para evitar os ataques. Muitas vezes, a mesma solução é apresentada com sinais trocados. Por exemplo: desarmar a população versus armar os professores e funcionários da escola. Ou então: aumentar a pena dos adultos que praticam esse tipo de violência versus diminuir a maioridade penal para atingir os jovens que praticam esses atos. E por aí vai. O fato é que, a cada ataque e a cada tristeza infinita que as vítimas evocam aos que ficam, a pergunta se repete: por que isso ocorre?
Um caminho possível para a reflexão é o de compreender a violência na escola como uma interface da violência da escola. Isso é: os que agem dessa forma brutal e desumana, atacando alunos e professores, muitas vezes buscam descarregar criminosamente suas frustrações e sofrimentos adquiridos durante seu período escolar. São frequentes os casos de jovens que sofreram bullying na escola voltarem sua ira contra os colegas, provocando as tragédias que acompanhamos cada vez mais frequentemente. Há uma violência que vem da escola, que fermenta lá, que contamina e que, por vezes, provoca reações intempestivas e mortais.
Além do bullying - que é uma expressão da incapacidade de a escola formular adequadamente políticas e práticas de reconhecimento das diferenças, capazes de anular ou enfraquecer os efeitos da educação preconceituosa que a criança traz de casa - a própria lógica de um ensino desumanizado, focado apenas em conteúdos e provas, em disciplina e em competição, tornam a vida de crianças e jovens, imaturos e desorientados, em uma caixa de pressão muitas vezes insustentável. Daí , muitas vezes, o clima, o ambiente da escola, que deveria ser de descontração e criatividade, tornar-se de opressão e de medo.
Incapazes de enfrentar o problema - ou sequer de enxergá-los -, muitas autoridades propõem tornar as escolas espaços de controle e repressão, com militares circulando nos corredores e com a espontaneidade e a abertura para o diferente cerceadas por marchas e gritos de ordem. Uma escola embaçada por um simulacro de disciplina que não é mais do que um amordaçamento da infância e da juventude, enquanto os adultos lavam as mãos de suas responsabilidades.
A violência na escola não é resultado apenas da violência da escola, mas resolver a parte que nos cabe, transformando a escola em um espaço de invenção e de solidariedade, de reconhecimento pelo diferente e de compreensão da singularidade, seria um passo importante para acabar com uma das fontes mais intensas de rancor, ressentimento e desejo de vingança, combustível da maioria das histórias terríveis que acompanhamos cada vez mais amiúde.
Fazer o que está ao nosso alcance é encarar essa tarefa de reinvenção - o que implica aceitar que falhamos ao prometer às crianças e aos jovens um futuro melhor quando não somos ainda capazes de garantir a eles, na escola, um presente razoável, em termos de ambiente, conforto, acolhimento e aprendizado para a pluralidade e para a paz. E que não somos ainda capazes de protegê-los de seus próprios medos e rancores.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros