Estatuto da Pessoa com Deficiência vigora no Brasil desde 2016, mas crescimento desses colaboradores depende de oportunidades e acolhimento
Replicar o que recebeu. É esse o lema que Gisele Linhares busca colocar em prática em sua rotina de trabalho para a inclusão das pessoas com deficiência. Atualmente enquadrada em uma vaga PcD, Gisele é coordenadora das áreas de OPME (referente a próteses, órteses e materiais especiais) e também de contratos dos hospitais São Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru, em Curitiba (PR). Com uma trajetória de crescimento profissional e pessoal, ela busca repassar para outros colaboradores - com e sem deficiência - a importância de oferecer oportunidades e acolhimento quando o tema é inclusão.
Colaboradora do Grupo Marista desde 2005, Gisele logo se tornou elegível para vaga PcD. Ela entrou na instituição por meio de uma vaga tradicional de auxiliar na área em que atua, antes de existir o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em 2016, o Grupo fez uma reestruturação e adaptou profissionais e cargos de diversas áreas, sendo o da Gisele um deles. “Faço parte do enquadramento de vagas PcD do Grupo Marista. Tenho uma história pessoal de muito esforço, mas também de grandes conquistas. Possuo uma deficiência que não é visível, por isso muitas pessoas tendem a achar que não me limita, mas não é bem assim. A conquista de uma vaga destinada a uma pessoa com deficiência é um marco importante na minha vida profissional e um direito meu”, ressalta.
Gisele teve um câncer no pulmão com apenas 5 anos de idade e passou por um tratamento até os 11 anos. A doença fez com que ela precisasse retirar um pulmão e um rim e, por conta dos tratamentos com radioterapia, desenvolveu a Síndrome de Poland, o que provocou uma atrofia no tórax e, consequentemente, uma dificuldade motora em um dos braços. Mesmo com tantos obstáculos, a jovem que ingressou no mercado de trabalho com 18 anos como auxiliar passou por funções de técnica administrativa, compradora plena, supervisora, até chegar às vagas de coordenação que exerce atualmente.
Há 17 anos no Grupo, ela conta que, apesar da busca por profissionais PcD ser grande nas empresas em geral, é como cada companhia acolhe e desenvolve essas pessoas que faz a diferença na permanência e, principalmente, na trajetória desses profissionais. "Atualmente, tenho colaboradores PcD no meu setor e tento desenvolvê-los como fizeram comigo, para que possam ter uma longa carreira. Por mais que a palavra inclusão pareça algo já comum do nosso cotidiano, não é. Existe a necessidade de olhar para essas pessoas de forma humana. Não é porque ele é PcD, que não seja um profissional, que não tenha uma família e sonhos, portanto, é nosso papel proporcionar um local em que ele consiga desenvolver plenamente as suas competências”, observa.
O Grupo tem a cultura de preparar gestores e colaboradores para lidar com o tema, tornando o ambiente inclusivo e com possibilidades de crescimento e desenvolvimento de todos que são impactados pela temática. Algumas dessas ações envolvem encontro de líderes para debater o tema, treinamento de colaboradores e gestores abordando expressões anti capacitistas, palestras aprofundando o tema, conversas individuais com colaboradores que sentem necessidade de um processo maior de inclusão junto ao seu gestor e demais ações que surgem por meio de demandas.
Mais oportunidades e menos barreiras
No Brasil, a Lei de Cotas garante a contratação de pessoas com deficiência para preencher vagas de trabalho nas empresas públicas e privadas. O número atual de profissionais PcD no mercado de trabalho brasileiro é de 372 mil, segundo dados do governo federal e, de acordo com a lei, o percentual de contratação de PcD varia de acordo com o número de funcionários de cada empresa. Para as que têm de 100 a 200 colaboradores, a cota para contratação de PcDs é de 2%; de 201 a 500 colaboradores, 3%; de 501 a 1.000, 4%; e acima de 1.000, 5%. Mas a grande questão é: a discussão deveria ser feita em cima do entendimento que a população deve ter sobre a importância da inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho e não sobre a obrigatoriedade em si.
No Grupo Marista, as vagas que visam integração, acolhimento, acessibilidade, inclusão e respeito estão abertas em todas as frentes. De acordo com a coordenadora de Atração e Inclusão do Grupo, Tania Mior Botemberger, os profissionais são contratados para diversas áreas, desde cargos administrativos até atendimento ao público. “É preciso um olhar de igualdade, mas que ao mesmo tempo observe a individualidade de cada candidato. Dependendo da função que vai exercer, ele pode passar por um processo seletivo, de acordo com a área de atuação e perfil da vaga. Pode ser entrevista, dinâmicas e, em alguns casos, até provas de habilidades, mas sempre com a sensibilidade de entender que há uma pessoa além do candidato”, explica.
Assim como as características individuais, os tipos de deficiência - visíveis ou não, como o caso de Gisele - precisam ser analisados em suas peculiaridades. Na avaliação de Tania, o mercado deve oferecer cada vez mais vagas e o empregador precisa se abrir para perceber como é positivo ter uma equipe diversa. “Aqui no Grupo contamos com vários perfis, que trazem a diversidade para dentro das áreas, tornando o papel do gestor ainda mais importante nesse sentido”, destaca.
As seleções levam em conta as habilidades do candidato, que é encaminhado para as vagas sem que a deficiência física ou cognitiva seja encarada como um obstáculo. “As empresas devem estar preparadas para oferecer toda infraestrutura que os colaboradores necessitam, não só estrutura física, mas de trabalho e de capacitação. A inclusão, na verdade, é fazer os colaboradores se sentirem parte, independentemente das suas diferenças. A ideia não é só empregar pessoas PcD, mas também dar dignidade a elas”, aponta Tania.