Perto de completar um ano, a invasão russa à Ucrânia segue sendo o conflito de maior presença na mídia global. Também pudera: até novembro de 2022, os EUA previam um número de aproximadamente 200 mil militares mortos no total. Além disso, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos estima que cerca de 7 mil civis foram mortos e mais de 11 mil ficaram feridos como consequência das atrocidades russas. Desde que a invasão à Ucrânia começou, presenciamos cenas horrendas – como civis mortos com as mãos amarradas às costas e corpos com sinais de tortura enterrados em valas coletivas.
Por mais violentos que os combates em solo ucraniano estejam sendo, infelizmente não são o único grande conflito ocorrendo em escala global – embora boa parte da mídia especializada haja como se fosse. Há pelo menos outros sete embates ocorrendo neste momento, vitimando civis e militares, e afetando questões de saúde, educação e desenvolvimento em várias partes do mundo.
No Iêmen, uma guerra civil entre o governo iemenita e o grupo armado houthi ocorre desde setembro de 2014. As forças houthi tomaram a capital Sanaa e forçaram o governo com reconhecimento internacional ao exílio. No ano seguinte, em 2015, a Arábia Saudita liderou uma coalizão militar para apoiar as forças governamentais iemenitas e bombardear os houthi. Especula-se que os houthi recebam armas e apoio do Irã, inimigo visceral dos sauditas. Estima-se que mais de 150 mil pessoas tenham morrido em decorrência do conflito. Há uma trégua em vigor, mas são poucas as esperanças de uma paz duradoura.
Em 2021, um golpe de estado ocorreu em Myanmar, quando os militares alegaram que as eleições de 2020 haviam sido fraudadas e tomaram o poder. Os golpistas derrubaram o sinal de internet, fecharam as estradas e cercaram os prédios públicos do país. Desde então, uma guerra civil vem sendo travada no pequeno país asiático, onde mais de 23 mil pessoas já morreram e 1,3 milhão foram deslocadas.
Nas Américas, a situação no Haiti segue desesperadora: ainda que uma missão das Nações Unidas tenha estado no país entre 2004 e 2017, atualmente o país caribenho parece próximo da anarquia. Após o assassinato do presidente Jovenel Moise em 2021, um vácuo de poder levou a insurreição popular e brigas entre gangues distintas, que fazem com que o Haiti seja palco de uma crise política e humanitária. O número de mortos é incerto.
Na República Democrática do Congo, o grupo rebelde M23 assassina civis indiscriminadamente pelo menos desde 2021. Controlando a região leste do país, mais de 300 pessoas foram mortas nos primeiros dias de dezembro de 2022. Nas regiões controladas pelo M23 há falta de água e surtos de cólera. Quase 6 milhões de pessoas foram deslocadas no país em virtude do confronto interno, que não tem previsão para acabar.
Ainda na África, a região do Sahel – onde estão Mali, Níger, Mauritânia, Burquina Fasso e Chade – vem sofrendo com grupos jihadistas, que analistas acreditam ter ligação com a al-Qaeda ou com o Estado Islâmico. Vários grupos que atuam nos países do Sahel empregam táticas terroristas e de guerrilha, que já mataram mais de 11 mil civis. Além do conflito em si, a região sofre com insegurança alimentar, desnutrição e falta de água.
Na Síria, a guerra está prestes a completar 12 anos. Um levante popular pela democracia iniciado na primavera árabe teve resposta brutal do governo de Bashar al-Assad, o que fez com que o movimento iniciado pacífico se tornasse uma guerra civil entre milícias e governo. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos calcula cerca de 310 mil civis mortos, e incontáveis refugiados que buscam proteção e segurança noutros países.
No Cáucaso, Armênia e Azerbaijão seguem se enfrentando na região de Nagorno-Karabakh. A Armênia venceu o Azerbaijão na região em 1990, mas, em 2020, foram os azerbaijanos que prevaleceram. Ainda que os russos tentem mediar a paz, os conflitos na região estão longe de terminar e, até então, já vitimaram mais de 6.500 pessoas desde 2020.
Todos esses conflitos matam civis. Todos esses conflitos geram crises de refugiados. Todos esses conflitos geram sofrimentos que não podem ser descritos - ou mesmo compreendidos por aqueles que não sentem na própria pele seus efeitos e suas dores. As esperanças de um século XXI pacífico já submergiram há muito tempo, e se pode afirmar que nenhum dos conflitos apontados aqui está próximo do fim. A humanidade, por outro lado...
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray