Opinião: Quanto mais Bolsa Família melhor. Mas de onde vêm o dinheiro?

Guilherme Marques Moura*


O Bolsa Família, apesar de suas falhas, é reconhecido como um programa que de fato contribuiu tanto na distribuição da renda quanto na redução da pobreza. Dito isto, é consenso a necessidade de programas de redução da pobreza, principalmente no Brasil onde o cenário pandêmico acentuou históricos problemas socioeconômicos. O grande questionamento recai sobre o financiamento desse auxílio e seu impacto sobre as finanças do país. Dentre as diversas questões, é válido discutir a construção do orçamento e o efeito do aumento do endividamento sobre os juros.

Tentativas de contornar o orçamento ou a Lei de Responsabilidade Fiscal não são novas. No governo Itamar, por exemplo, receitas sociais já foram desvinculadas do orçamento para manter o funcionamento de programas sociais. Tais discussões orçamentárias também permearam os governos de FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Durante as negociações, vários novos termos são formados, como “PEC Kamikaze” e, agora, a “PEC de Transição”. Será que todos esses governos faltavam com a responsabilidade fiscal e/ou a construção do orçamento pode evoluir?

Na esteira da redemocratização, a proclamação da Nova Constituição 1988 foi marcada por significativos avanços sociais. Entretanto, a criação de novos direitos/deveres não foi acompanhada de compensações pelo lado fiscal. Criou-se um desequilíbrio na despesa, no qual os governantes são compelidos/obrigados a gastar mais do que arrecadam. Mas, na prática, o aumento dos gastos para outros fins, além de programas sociais.

Mais do que discutir a elevação da despesa, faz-se necessário rever a construção desse orçamento e suas fontes de receita. Muito usado no meio empresarial, a construção de um Orçamento Base Zero pode ser uma alternativa para reavaliar a prioridade dos gastos. Do lado da receita, a discussão se mostra ainda mais espinhosa. A complexidade tributária brasileira expõe um empecilho ao crescimento do país, além do seu caráter extremamente regressivo. Inúmeras propostas de reforma tributária tramitam na câmara a décadas, mas apenas ajustes marginais foram realizados até então. 

O grande temor do “mercado” reside no impacto da elevação da dívida no comportamento dos juros. Dentro do orçamento executado pelo governo federal em 2021, metade foi destinada ao pagamento de juros e amortizações. Essa preocupação é justa. Na prática, quanto maior o “furo no teto” maior a dívida e, no futuro, ainda maior a despesa com juros. Além disso, quanto maior o grau de endividamento maior ainda os juros cobrados, tornando ainda mais complexa a rolagem dos débitos já contraídos. 

Esse aumento do endividamento impacta a gestão intertemporal do orçamento público, ao gastarmos mais hoje podemos comprometer o gasto de amanhã. Não existe almoço grátis. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto de Gastos foram criados pelo viés de endividamento do setor público, não como medidas para penalizar a parcela mais pobre da população. Nesse sentido, a reorganização das receitas frente ao ajuste da despesa se mostra imperativo para a liberação de recursos, como os requeridos para a manutenção do Bolsa Família.

*Guilherme Marques Moura, doutor em Desenvolvimento Econômico, é professor da Escola de Negócios da Universidade Positivo (UP).

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