Quando o recuo da bateria pode ser a chance do samba continuar a pulsar

Viviane Hessel é infectologista e coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Marcelino Champagnat
Créditos: arquivo pessoal

*Viviane Hessel, infectologista

Para ser campeã, uma escola de samba precisa muito mais do que um enredo bonito e belas alegorias. Os jurados, colocados em posições estratégicas dos sambódromos, passam por treinamentos específicos para analisar os dez quesitos definidos e cada nota faz muita diferença. Uma escola pode ser rebaixada para outro grupo por décimos e até milésimos. E tão minuciosa assim também deve ser a avaliação antes de liberar ou não uma das maiores festas do Brasil. 

Na avenida, quando a escola atravessa a passarela do samba em tempo inferior a 65 minutos, perde pontos preciosos na nota final. Na luta contra a covid-19, isso também acontece. Há quase dois anos, uma força-tarefa foi criada no país e no mundo para definir novas regras de convivência que incluem o uso da máscara, distanciamento social e higienização constante das mãos. Ao longo desse período, enquanto cada um buscava fazer a sua parte na avenida, equipes de pesquisadores desenvolveram em tempo recorde vacinas contra a doença, novos medicamentos e protocolos de cuidados, além de estudos valiosos sobre as sequelas da doença que, em muitos casos, têm se mostrado cruéis com os infectados. 

Agora é hora apenas do recuo programado da bateria e não do silêncio do samba enredo. Pandeiro, cuíca, tamborim, ganzá e surdo seguirão a batucada, mas, mesmo não sendo obrigatória, a parada da bateria no meio do desfile é estratégica e se faz necessária para que as outras alas se aproximem e não saiam do samba. Não podemos parar de sambar antes da avenida acabar. A ala das baianas ainda precisa passar. Vivemos um momento de pausa estratégica para reforços de segunda e terceira doses da vacina e também para entendermos as novas variantes e os motivos que estão levando países europeus a fecharem novamente as portas. 

E assim como tem o momento e o movimento certo para o recuo da bateria, também é preparado o seu retorno, para que não fiquem espaços vazios na avenida ou a batucada perca o compasso. Tudo deve ser ensaiado e orquestrado, para que a beleza seja mantida até o último folião vencer a passarela do samba. Não vale a pena correr agora nos minutos finais e perder todo esforço do mestre-sala que deu o seu suor para representar a sua escola.  

Milhares de profissionais perderam noites de sono, momentos com a família e trabalharam arduamente para que cada lantejoula fosse colada e a fantasia tomasse forma para viver o grande desfile. E, mesmo que já esteja amanhecendo e seu brilho não tenha o mesmo efeito na passarela, antecipar a passagem tira pontos da escola e todos perdemos o esforço realizado na travessia do samba. Voltar ao início já não é possível, pois mais de 613 mil brasileiros não podem apreciar a beleza do carnaval, mas correr sem mostrar o samba no pé também não é o melhor a se fazer. 

O mais difícil já foi trabalhado. Agora, é preciso um pouco mais de esforço para que os foliões não deixem a energia cair. Por mais cansativo e exaustivo que seja todo esse processo, ainda não é o momento de tirar a máscara e nos abraçarmos. Desistir e entregar os pontos antes de passar pela linha de chegada nunca é a atitude ideal. Falta pouco para resgatarmos minimamente rotinas que tínhamos antes da pandemia da covid-19 chegar. Igual nunca será. Mas o samba terá novas chances de pulsar. 

*Viviane Hessel é infectologista e coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Marcelino Champagnat


 

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